Friday, November 10, 2006

As funções psíquicas (parte II)

Pensamento e Delírio

O pensamento é o resultado da capacidade de organizar idéias de forma, curso e conteúdo harmônicos com as necessidades individuais e circunstanciais. O pensamento normal apresenta constância, organização e continuidade.
Os distúrbios da forma do pensamento podem ser:
· Descarrilhamento: é a mudança súbita e inexplicável de uma linha de idéias para outra. Em casos graves pode se caracterizar o pensamento de forma desagregada.
· Substituição: é a troca de uma idéia por outra. Não há uma mudança na linha de idéias, apenas uma dissociação entre as principais idéias de um pensamento, tornando-o incompreensível.
· Omissão: é a quebra em uma linha de idéias sem que outra idéia seja utilizada para preencher este espaço. Não ocorre interrupção no fluxo de idéias.
· Fusão: é a união de duas ou mais idéias de forma não-lógica, mas ainda passíveis de serem diferenciadas.
· Prolixidade: é a utilização excessiva de sinonímias e rodeios para se atingir um objetivo.
· Perseveração: há grande pobreza de conceitos e o indivíduo persiste em um ou poucos temas, independentemente do assunto em pauta.
· Concretude: dificuldade ou impossibilidade de abstrair o significado simbólico de conceitos.
· Neologismo: é a criação de palavras novas ou novos significados para palavras já existentes no vocabulário.
· Tangencialidade: é a dificuldade de responder exatamente ao que foi perguntado. A pessoa entende a pergunta e responde algo próximo ao tema.
· Circunstancialidade: a pessoa, apesar de apresentar um curso fluente do pensamento, se perde em discurso excessivo, com várias idéias paralelas, detalhes irrelevantes, sem demonstrar nenhum objetivo.

Os distúrbios do curso podem se apresentar como uma lentidão (inibição ou retardo do pensamento), como uma aceleração (nos casos mais graves chamada de fuga de idéias) ou, ainda, como uma interrupção no curso de apresentação das idéias (bloqueio ou roubo do pensamento)
A logorréia ou verborréia é a expressão verbal fácil, incessante e incoercível.
O conteúdo do pensamento é a expressão do tema propriamente dito. Os conteúdos desviados podem conter primordialmente temas místicos, paranóides, de grandeza, hipocondríacos, culpa etc. Os delírios primários são distúrbios do juízo crítico não influenciados na sua lógica e coerência por qualquer outra experiência psicológica. Há certeza inabalável que não se deixa refutar pelo argumento lógico nem pela experiência. Só podem ser assim descritos quando cursam com lucidez de consciência.
Os delírios se manifestam através das percepções delirantes e das representações delirantes.
Na percepção delirante há uma percepção normal, e a partir dela ocorre a atribuição de significado novo que alude ao próprio eu da pessoa. Por exemplo, a pessoa, ao ver uma nuvem escura, entende imediatamente que um grupo terrorista vai matá-lo.
Na representação delirante surge uma idéia errônea sem que tenha ocorrido percepção interior. É o que Kurt Schneider chama de intuição delirante. Por exemplo, a pessoa subitamente intui que é perseguido pelo seu vizinho.
A idéia deliróide é um distúrbio do juízo crítico, mas resulta de condições psicológicas rastreáveis e compreensíveis. Por exemplo, quando há sintonia com o humor: uma pessoa deprimida, com idéias de ruína ou um outro com humor exaltado que se diz rei da França.
As idéias sobrevalorizadas ocorrem quando o aspecto afetivo do convencimento predomina sobre o racional. São idéias passionais, sem comprometimento da noção de realidade ou da crítica.
O pensamento fantástico ocorre quando há exagero da atividade imaginária normal, sem comprometimento da realidade. Apresenta tema incrível ou impossível. É freqüente em crianças e adolescentes. Há controle da vontade. Nos casos patológicos, podemos caracterizar a mitomania (hábito exagerado de mentir) ou a pseudologia fantástica (apesar de saber que determinada história é mentira, o indivíduo vive-a como se fosse verdade).
A publicação do pensamento (escutar o próprio pensamento em voz alta) e a leitura do pensamento (capacidade de ler os pensamentos de outros) são distúrbios do pensamento que associam anormalidades na esfera da sensopercepção e da consciência do eu.

Wednesday, November 08, 2006

As funções psíquicas (parte I)

Consciência

Capacidade neurológica de captar o ambiente e de se orientar de forma adequada. Estar consciente é estar lúcido, com o sensório claro. A consciência é avaliada pelas funções da atenção e orientação.
As anormalidades da consciência podem ser divididas em três grupos:
Estreitamento: consiste na redução quantitativa e qualitativa da consciência; há um conteúdo menor e uma seleção sistemática dos temas.
Entorpecimento: caracterizado pela diminuição ou perda da lucidez e da vigília. Os estímulos externos só são apreendidos com esforço da atenção, a qual dificilmente se forma e se mantém. O coma é o estado de maior gravidade de entorpecimento.
Obnubilação: além do rebaixamento do nível da consciência que ocorre no entorpecimento, há a presença de um conteúdo anormal.

Atenção: Capacidade de se concentrar em determinado objeto ou situação. Pode ser passiva ou espontânea (vigilância) ou ativa e determinada pela vontade ou afeto (tenacidade).
A vigilância é determinada pelas mudanças e oscilações do exterior e depende da intensidade do estímulo, das variações e repetições e do nível de consciência do indivíduo.
Há hipervigilância em casos de exaltação do afeto, com concomitante hipotenacidade. A atenção espontânea torna-se extremamente excitável e inconstante.

Orientação: A orientação requer atividades mentais como as tendências instintivas, a memória, a atenção e a inteligência. Tudo que impede a apreensão de dados objetivos e sua incorporação à experiência é causa de desorientação.
O espaço e o tempo estão sempre presentes na atividade psíquica lúcida. A desorientação alopsíquica é relativa ao espaço e ao tempo. A desorientação cronopsíquica é apenas relativa ao tempo. A desorientação relativa ao próprio eu é a desorientação autopsíquica.
A desorientação cronopsíquica é o desconhecimento da data (dia, mês e ano). Ocorre quando há déficit de interesse pela realidade, na memória, na atenção, na capacidade intelectual ou alteração de consciência. Apenas nos casos mais graves surge desorientação autopsíquica.
Um fator que pode resultar em alteração na orientação temporal é a sensação de experiência do tempo vivido. Uma pessoa com depressão tem a sensação de que o tempo evolui muito lentamente, e outro com mania pode ter a sensação de aceleração do tempo.
A dupla orientação é a experiência de vivenciar simultaneamente dois mundos, o real e o psicótico. Nestes casos pesar da vivência psicótica, consegue agir até certo ponto, dentro da realidade.




Programa de estudos

Proponho aqui uma seqüência de estudos que fiz e gostaria que as pessoas que visitam este blog dessem opiniões e/ou sugestões sobre, para que possamos montar um plano viável e coerente.
Podemos começar com alguns conceitos de Psiquiatria, campo médico da ciência vigente que estuda a mente e suas funções, e aprofundaremos os estudos em psicologia do desenvolvimento, com os autores mais importantes. Esta será a base teórica para entrarmos na teoria de Reuven Feuerstein.
Se durante os estudos for necessário o conhecimento maior de algumas deficiências e/ou doenças mentais, dedicarei alguns posts ao assunto, ou posso mandar material e bibliografia para o e-mail pessoal de quem se interessar.
Pretendo que este blog se torne alvo de um estudo mais aprofundado que pode ser feito por aqui ou por e-mail.
Sintam-se á vontade para dar sugestões!

Tuesday, November 07, 2006

Don't accept me as I am

Gostaria de abrir uma exceção no post de hoje. Na verdade, abrirei várias exceções neste blog...
Hoje vou escrever sobre uma experiência que tive na VII Semana de Estudos em Terapia Ocupacional, na atividade cultural. Tal atividade era o ballet para cegos e o grupo que se qpresentou se chamava "superando limites".
A apresentação foi bela, tão bela quanto qualquer outra apresentação de ballet. Porém, o que mais me chamou a atenção foi o nome do grupo.
Acredito que tenha sido muito importante para aquelas meninas terem aprendido e conseguido fazer a apresentação, pois superaram os limites da deficiência, mas tal evento tem a mesma importância para um grupo de pessoas sem deficiência. Digo isso porque o significado de um atividade não deve ser medido pela condição do sujeito e sim pelo seu caráter produtivo.
Senhores terapeutas ocupacionais enfurecidos, não estou me referindo à produção de trabalho que o malvado capitalismo nos impõe e sim do que é produtivo e útil para o ser segundo o caminho a ser percorrido durante sua vida, caminho este que honre a condição de ser-humano que herdamos do Criador.
O próprio nome do grupo o estigmatiza: "Superando limites", o que nos remete à idéia de: "São cegos, mas conseguem fazer ballet".
A questão não é superar limites e sim superar condições, e não só de deficiência, mais importante ainda, superar a condição de ser-humano banal, que vive a vida sem finalidade.
Uma atividade não é significativa por si só e sim pela sua finalidade, que deve ser elevada.
E o que toda essa história tem a ver com as questões cognitivas? Pois, é, esta é a exceção da qual falei no início. Este é um post de caráter mais reflexivo, e não tão técnico, mas que se relaciona com a cognição.
Um dos pontos característicos e únicos que diferencia o ser-humano é a cognição, que reúne funções "mecânicas" que permitem o pensar. Não se decepcionem aqueles que realmente acharam que fosse o polegar opositor, pois quem não o tem pode colocar uma prótese, mas quem "perde" alguma função cognitiva tem a vida inteira comprometida.
O grande objetivo deste blog é fazer um estudo sobre tais funções para que possamos entender sua grande importância na vida das pessoas com ou sem deficiência ou doença mental.
Por isso, "don't accept me as I am"*.

*Título de uma das obras de Reuven Feuerstein